segunda-feira, 29 de junho de 2009

O PÁSSARO*

O coração batia pequeno e agitado. A tristeza cravada no medo e no cansaço. Era presa. A penugem cinza, tão macia, agonizava na mão suada e cheia de terra do moleque. Eu me debatia, tentava me desvencilhar e abria o bico repetidas vezes, a língua ganhando tons roxos e se contorcendo.
A menina gritava e trazia a face na mesma cor de suas galochas vermelhas. Li seus lábios se movimentando como água-viva, inflando e murchando, inflando e murchando: "NÃO! NÃO! NÃO!".
Já não tinha forças, o ar passava pesado pelas costelas estreitas, enquanto o garoto ria descalço e sem camisa, o polegar e o indicador abraçados. Violento carinho em meu pescoço. A água-viva de galochas, longos cabelos presos em tranças, gritava mais, estava apavorada. Talvez desmaiasse antes de mim.
Eu tinha o dom da liberdade, queria voar para longe daquele sítio. As galinhas corriam. Punhalada inversa, minhas asas desfaleceram com a dorida extração. Via, exposta, a raiz da minha pena, núcleo virgem que nunca vira o sol. Repetidas vezes e várias penas arrancadas, tortura lenta, acompanhada das lágrimas sôfregas da menina, sádico sorriso do algoz.
"Eita, morreu!", gritou o pivete.
Meu corpo parecia a própria paz. Caído no feno, os olhinhos muito pretos fechados. Minha respiração era curta e discreta, o ventre mal se mexia, ele poderia voltar. O afago doce da pequena mão, cúmplice única de minha vida, que chorou meu teatral último suspiro.
* Para um pássaro de Olho d'Água das Flores

2 comentários:

Anônimo disse...

Apesar de triste, muito bonita homenagem.

Igoarias disse...

Opa! Estive um pouco ausente, mas agora estou de volta, vi que seu blog tem melhorado muito, cada texto um melhor que o outro, abraços. Volto logo...