O coração batia pequeno e agitado. A tristeza cravada no medo e no cansaço. Era presa. A penugem cinza, tão macia, agonizava na mão suada e cheia de terra do moleque. Eu me debatia, tentava me desvencilhar e abria o bico repetidas vezes, a língua ganhando tons roxos e se contorcendo.
A menina gritava e trazia a face na mesma cor de suas galochas vermelhas. Li seus lábios se movimentando como água-viva, inflando e murchando, inflando e murchando: "NÃO! NÃO! NÃO!".
Já não tinha forças, o ar passava pesado pelas costelas estreitas, enquanto o garoto ria descalço e sem camisa, o polegar e o indicador abraçados. Violento carinho em meu pescoço. A água-viva de galochas, longos cabelos presos em tranças, gritava mais, estava apavorada. Talvez desmaiasse antes de mim.
Eu tinha o dom da liberdade, queria voar para longe daquele sítio. As galinhas corriam. Punhalada inversa, minhas asas desfaleceram com a dorida extração. Via, exposta, a raiz da minha pena, núcleo virgem que nunca vira o sol. Repetidas vezes e várias penas arrancadas, tortura lenta, acompanhada das lágrimas sôfregas da menina, sádico sorriso do algoz.
"Eita, morreu!", gritou o pivete.
Meu corpo parecia a própria paz. Caído no feno, os olhinhos muito pretos fechados. Minha respiração era curta e discreta, o ventre mal se mexia, ele poderia voltar. O afago doce da pequena mão, cúmplice única de minha vida, que chorou meu teatral último suspiro.
* Para um pássaro de Olho d'Água das Flores
2 comentários:
Apesar de triste, muito bonita homenagem.
Opa! Estive um pouco ausente, mas agora estou de volta, vi que seu blog tem melhorado muito, cada texto um melhor que o outro, abraços. Volto logo...
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