AQUARELA

A cidade está mergulhada em cores diversas. E várias cenas se misturam. Paisagens e faces que vejo todos os dias nas minhas janelas. Elas correm, encontram formas diferentes de se encaixar na moldura de vidro. Suas vidas são as setas indecifráveis que me levam para o desconhecido. Eu sigo, sigo cada uma delas com o olhar preso por encantamento.

Sequencias incompletas de gestos, de expressões, e a música arranhando os tímpanos. Crescente melodia acompanhada por leves flexões dos joelhos, por pancadas discretas do calcanhar no chão. A alma inteira se movimenta e as pessoas não param de passar. Automóveis se desconstroem, espalham-se fumaça e letras dinâmicas em outdoors.

"Let's get it right, let's get it right"*, repetia o refrão silenciosamente junto com o vocalista. Por um instante, senti que todos cantavam comigo e dançavam com os ombros.

(...)

Todos em pé, parados, mas permaneciam em movimento contínuo. Daí, os pedaços de rua já eram manchas de cores infinitas, estampas de roupas, reflexo de sol na pintura metálica. Quadro a quadro, atores mudavam de cena e tudo acompanhava a velocidade hostil do trânsito.

"Let's get it right, let's get it right". Eu sorria, enquanto via a cidade passar diante de meus olhos de vidro, enquanto a moldura se transformava em janela, enquanto eu saía da minha máquina de fazer filmes e partia para também virar aquarela.

* Refrão de C'mon girl - Red Hot Chili Peppers