domingo, 15 de junho de 2008

REMÉDIO

Bela, bela tarde... perto das 17h e eu tinha que voltar: esqueci de ir à farmácia. As pessoas no ponto de ônibus rareavam e surgiam, os carros atravessavam, aos saltos, os buracos na estrada. A poeira fina e amarelada grudava na barra da calça, nas narinas, na soleira dos olhos.

Homens ressecados pelo sol consertavam pneus de caminhões, o barulho de suas marretas era insuportável, os motores dos carros eram pequenos zumbidos. Mesmo assim, eu conseguia ouvir meus passos, as pernas se chocavam a cada passada. Ouvi os pés sapateando na terra batida e o atrito do jeans. Remédio.

- Moço, eu quero um remédio. Daqueles que curam por inteiro, que afastam o mal do nariz, da coluna, dos pulmões. Moço, quero tudo em duas caixas, embrulhadas em um papel azulado ou cor de areia. Comprimido? Pode ser, mas daqueles que descem bem rápido e não se agarram na garganta, nem na língua. R$ 6, 40. Balança, ganhei 1 kg. Picolé de nata, R$ 1,00.

O caminho para casa era novo e mais distante. O chão irregular, cheio de pedras. O sol avançava para perto da noite, mas ainda incidia na minha face, queimava minha bochecha direita. O picolé derretia em minha saliva, o vento forte me despenteava. O que havia de igual naquela tarde?

Os homens que nunca vejo fazendo o que sempre fazem, todas as pessoas no ponto, que pegam o mesmo ônibus que eu. Há também a escola com letreiro marrom e portão anil. Não lembro da última vez que a vi aberta, com suas crianças barulhentas, os uniformes amarrotados, os pés cobertos por sapatos sujos de lama, a caneta presa à gola da camisa.

A poeira fina e amarelada me cobre todo o corpo, uma caminhonete passou ao meu lado. O palito de picolé rodopia entre os meus dedos e as caixas do remédio se chocam dentro da sacola . O sol acabando, mas o vento toca o meu pescoço. A rua vazia, os passos mais lentos, silêncio e pedras no meu caminho.

Fechei o portão.

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