domingo, 6 de janeiro de 2008

E ELA, QUE AMAVA TANTO, ...

“Se me fosse possível gritar... Se eu pudesse te fazer sentir como eu, sem palavras nem comparações...” Começou assim, sem parágrafos, a carta que só concluíra na semana seguinte. Era um monólogo sem remetente, cujas emoções não atraíam nenhum destinatário. As frases simplesmente lhe ocorriam, soltas, quando ouvia alguma música ou executava alguma tarefa importante ou a mente vazia elaborava novos diálogos.

Aos seus olhos, o amor era um tormento irremediável e fundamental. Isso porque amava de forma abrangente e com uma intensidade absurda, em geral, amava as coisas mais simples, por serem os detalhes mais difíceis de esquecer. Assim, amava gestos, manias, conclusões bem elaboradas e espontâneas, e doces caseiros, crianças, animais e caminhar na chuva.

Amava porque queria encontrar um sentido e amava muito por medo de perder a sensibilidade para os sabores, momentos, sorrisos, ou de ficar à noite, em silêncio, antes de dormir, indiferente aos sentimentos que a percorreria durante as horas que antecedem o instante de esquecer e recordar, sonhar também, de vez em quando.

Falta tão pouco tempo, agonizava uma lembrança. Falta um pedaço da história, que ela enche de novos parágrafos. Desenha uma palavra na página sem linhas, depois apaga as rimas, despeja a poesia pelo ralo e pela janela...

E ela, que amava tanto, não conhecia o desespero de nunca se apavorar com a certeza de que o dia seguinte é sempre uma surpresa.

Um comentário:

Helder disse...

Vamos supor , aliás , se afirmássemos que tudo que escrevemos é autobiográfico porque "ela, que amava tanto," está no passado? Muitas vezes pergunto porque amar se o amor é algo tão inacessível? Será que deixamos de amar por isso? talvez seja esse tormento irremediável, necessário que o amor nos traz. Nunca sei quando essa coisa do amor acontece, parece que estamos sempre em busca. Espero que o dia seguinte seja tão bonito quando a descoberta de alguém por essa pessoa . Lindo texto =) =**