sábado, 15 de dezembro de 2007

E SE FOSSE ISADORA?

Era tarde, cada vez mais tarde, só que ainda dava tempo de ver o sol se pôr, também dava tempo de ver o sol nascer. Marina tinha chegado em casa com fome, cansada, mas não havia ninguém. Apenas o sofá, os papéis, em total desordem, ao lado do telefone, uma fotografia com pessoas sorrindo, as duas janelas fechadas.

Passou a chave na porta, jogou a mochila em uma cadeira e sentou no chão. A sua cabeça estava cheia de pensamentos, tinha tantas coisas para fazer: comer, procurar um bilhete dentro de algum livro, separar umas roupas, arrumar a infinita bagunça que era a sua vida. Às vezes, Marina ficava pensando como sua vida seria se ela fosse Isadora. Bom, fazendo uma rápida explicação: a Dona Marta, mãe da Marina e do Arnaldinho – um garoto de 11 anos que só pensava em bola e carrinhos -, sempre quis ter uma filha chamada Isadora. Era quase uma obsessão: todas as suas bonecas se chamavam Isadora, assim como todas as flores, borboletas, joaninhas, enfim, tudo que achava bonitinho era Isadora.

Ela cresceu, começou a pensar em casamento e na sua filha, que teria o mesmo nome das bonecas, flores, borboletas e joaninhas. Isso até o dia em que se apaixonou pelo primo de sua melhor amiga, o Carlos Alberto, lindo, maravilhoso, mais velho, charmoso, dono de um fusquinha azul, cheio de qualidades, quer dizer, ele tinha um defeito: não dava valor à coitada da Marta, pois tinha uma paixão, a Isadora. Ainda bem que a Marta podia contar com os conselhos da prima de Carlos Alberto, a Marina. Mas pulando o casamento com o Pedro, a lua-de-mel em Recife e o nascimento prematuro da primeira filha, que odiou ganhar um irmão quando tinha 14 anos, Marina sempre imaginava como seria sua vida, se ela fosse Isadora.

A Isadora não deixaria nada espalhado na sala, nem debaixo da cama e, em sua casa, teria sempre uma comidinha gostosa, preparada com carinho. Ela usaria aquela blusa branca meio decotada e salto alto, de vez em quando, escreveria cartas para ninguém, dançaria na chuva, tomaria sorvete e depois água gelada, correria descalça, veria o pôr-do-sol. Marina sempre pensava que a Isadora fazia o que ela não conseguia, talvez por falta de tempo.

E o tempo estava passando, a tarde acabava, o dia começava, e Marina no chão. Foi ao quarto, vestiu a blusa branca, abriu a janela e começou a olhar o sol se despedir daquele dia ou era o dia que começava? Na verdade, preferia não pensar em tempo de relógio, até porque não dava para saber se as cinco horas e dezoito minutos eram da tarde ou da manhã.

O céu era um arco-íris com duas cores: amarelo e azul, que iam se misturando, misturando e se transformavam em verde, no verde dos olhos de Marina, que sorria naquele dia que já era madrugada, naquela madrugada que ainda era dia, naquele momento que só ela poderia ter. Nunca seria de Isadora...

2 comentários:

Estêvão dos Anjos disse...

me veio à mente um verso do poema de Manuel Bnadeira


"a vida inteira que poderai ter sido e não foi"

Vejo ela com medo de encarar o mundo e imaginand-se noutta situação, fugindo de si, de seus problemas.

belo texto e triste tbm

Kassia Nobre disse...

Esse lindo conto merecia uma continuação! Gostei das sequencias...Daria um belo romance, neh não? Daria sim =D

bjus