terça-feira, 25 de dezembro de 2007

INSPIRAÇÃO

Data de hoje o fim da inspiração. E é um decreto! Motivo: após diversas apurações, foi comprovado que a dita “inspiração” nada mais é que um álibi, um verdadeiro coringa do comodismo. E também do desespero. Vejam, senhoras e senhores, o escritor, seja ele poeta, romancista, contista ou um curioso das palavras, deixa de produzir por falta da tal inspiração, que, às vezes, não lhe faz preencher uma linha. Uma! Sem falar de suas fontes: músicas, estrelas, pôr-do-sol, lua cheia, amor em grandes doses, em resumo, tudo o que é bonito ou natureza ou tragédia.

Não lhes falta inspiração, nobres artistas, conformem-se: “Vocês não têm nada a dizer!”. É simples e há diversas outras coisas a realizar, muito melhores que espremer sentimentos ressecados, reviver lembranças empoeiradas, bem como inventar versos e diálogos apáticos.

Pior é quando a dita cuja resolve surgir inesperadamente: as palavras se digladiam, correm desvairadas para se concretizarem, querem avidamente sair do estado latente, no imaginário, e entrar, mesmo no anonimato, para a história! Quando invadidos pela fabulosa e inebriante inspiração, os deslumbrados viram escravos: comem e dormem mal, dedicam-se à Sinhá Obra, que pode ter apenas uma página. Uma!

Escritores inspirados, conformem-se: “Vocês nunca dirão tudo!” Há sempre aquilo que fica no restinho de tinta na bomba da caneta ou naquele pensamento interrompido pelo “vem pra mesa, depois você termina isso!” ou ainda o que parece se enraizar na garganta, de modo que nem todo o domínio lingüístico do mundo é capaz de arrancar. É simples e há diversas outras coisas a fazer: escrever um bilhete avisando que voltará tarde ou que o almoço está no forno, anotar no bloquinho um recado de alguém que telefonou ou aquela receita que nunca será preparada.

É lógico que não são melhores que transformar o que está estático e serve para contemplação em algo também estático, mas que permite refletir... A partir do momento em que virá instante, tudo é estático, inclusive o movimento. Das pessoas, das ondas, dos cabelos, dos pássaros, da dança, das folhas ao vento. Pois vale a pena esperar a figura caprichosa que liberta as vozes, apura os sentidos, mesmo que só preencha uma linha, uma página, um capítulo, uma obra, uma vida. Uma? Tudo que por ela é tocado!

É um decreto! Data de hoje o fim da busca pela inspiração, que jamais será definida, nem enclausurada. Motivo: após diversas apurações, foi comprovado que a inspiração, por ser intensa e libertária ao extremo, é forte demais, quase letal, para se ter como parte de si.

3 comentários:

Unknown disse...

Rapaz...Eu simplesmente amei demais!
tempos que não vinha aqui e tempos que nem postava no meu flog, mas eu faço isso...coloco a culpa na inspiração e quando o grande culkpado de tudo sou eu, a minha preguiça, sentimentos também letais, mas que podem ser parte de nós...
que a inspiração exista mesmo que seja longe de nós!
:*
:*
:*
Feliz Natal!

Kassia Nobre disse...

Assino em baixo das suas palavras!

Inspiração, aquela dorzinha na cabeça, aquela agonia que só acaba quando escrevemos..

agonia boa!

bjus =)

Estêvão dos Anjos disse...

Gostei que só desse. Enquanto lia me vinha à mente uma música que eu vi a banda Pedro Luis e a Parede tocarem.

Transpiração
Ney Matogrosso e Pedro Luis e a Parede
Composição: Indisponível

A inspiração vem de onde
Pergunta pra mim alguém
Respondo talvez de longe
De avião, barco ou ponte
Vem com meu bem de Belém
Vem com você nesse trem
Nas entrelinhas de um livro
Da morte de um ser vivo
Das veias de um coração
Vem de um gesto preciso
Vem de um amor, vem do riso
Vem por alguma razão
Vem pelo sim, pelo não
Vem pelo mar gaivota
Vem pelos bichos da mata
Vem lá do céu, vem do chão
Vem da medida exata
Vem dentro da tua carta
Vem do Azerbaijão
Vem pela transpiração
A inspiração vem de onde, de onde
A inspiração vem de onde, de onde
Vem da tristeza, alegria
Do canto da cotovia
Vem do luar do sertão
Vem de uma noite fria
Vem olha só quem diria
Vem pelo raio e trovão
No beijo dessa paixão
A inspiração vem de onde, de onde (2 vezes)
De onde
A inspiração vem de onde, de onde (4 vezes

P.S. É UMA GRANDE E INCANSÁVEL DISCUSSÃO ESSA HISTÓRIA DE QUANTOS POR CENTO DE INSPIRAÇÃO E DE TRANSPIRAÇÃO TEM UMA CRIAÇÃO.