quinta-feira, 2 de abril de 2009

O TELHADO DO MEU VIZINHO

Há cabeças no telhado do meu vizinho. Há, sim. Há cabeças e eu não queria vê-las. Uma criança feliz, de olhos fechados, dormente. Um homem negro de lábios rosados e carnudos, sorrindo, a expressão arregalada. Eu lia sobre civilizações antigas, já sepultadas, e as cabeças me observavam.
(...)
Cabeças, cabeças me perseguindo, saindo das aglomerações das ruas. No telhado do meu vizinho, eu só as vi uma vez, há seis anos, mas recordo das telhas de faces humanas, sem corpo. Inertes e expressivas. São os estranhos que me visitam, cada momento um estranho diferente...
(...)
Devagar. Divagando em passos que não me conduzem, tenho saudade, porque eu não tenho paredes, histórias, filmes. Só trilhas sonoras. E as pernas, quadris e braços, o corpo todo existe em blocos. Cansando em alma, eu amo. Mesmo assim, parece melhor descer pela janela, acho que perdi minhas frases. Onde está o frio e a nova década?
(...)
À minha frente, um copo muda de forma com o suor de água gelada, tenho sede. Deuses enigmáticos e pirâmides me confundem. Já é noite e não mais vejo ninguém. Agora, só as estrelas refletem nas telhas de gente do meu vizinho...