sábado, 3 de novembro de 2007

RAPUNZEL

Aconteceu naquela terça-feira que já era quarta. Poderia ser uma folha ou uma telha, até um livro da estante talvez, se qualquer coisa caísse, não ouviria... Era uma madrugada quente e apenas duas faixas horizontais de luz penetravam no ambiente, pela janela de madeira e vidro, que lembrava um rosto sem nariz nem boca, somente com olhos. A cortina vinho entreaberta. Ela dormia de bruços e estava descoberta, mas não era possível ver seu corpo magro, sua expressão meio derramada - após o dia insuportável, sua respiração fora de ritmo, suas mãos embaixo do travesseiro, seus cílios presos num intenso abraço.

Havia deitado há três horas e já sonhava. Dentro daquele universo desenhado por sua mente, jamais poderia imaginar o que lhe surpreenderia em pouco tempo, tão pouco que roubaria aquele sonho indecifrável – que esqueceu – e lhe daria algo novo para pensar. Duas horas da madrugada, o que acontecia 13 minutos antes do instante crucial?

Silêncio, um silêncio absurdo. Também um vento forte bem longe, pois estamos em novembro. As folhas se despedem de suas árvores e seguem pelos ares, depois caem no chão. O cachorro está acordado e dá voltas pelo quintal, seu alvo é delicioso e proibido. Será que vão ouvi-lo? Enquanto isso, a garota permanece inconsciente, dominada por momentos da sua imaginação, uma parte do lençol está nos seus quadris. O animal hesitou, arquitetou um plano para ser discreto, planejou até esquecer sua missão. Impaciente, cochilou um pouco.

Às 2h 13min e 40s, ela teve os pensamentos invadidos por uma música e uma luz, fato que durou uns dois ou três segundos. Sentiu-se como uma roupa no varal, agitada pelo vento, suas carnes tremiam, o ar ficara preso em alguma parte de seus pulmões e o frágil coração se contorcia, quase mergulhando no colchão. Susto exagerado que se transformou em um sorriso, cinco minutos depois, tinha a face inundada por algo que pensava ser alegria.

Um nome, quatro letras, enfim, não era saudade, estava curiosa. Queria decifrar aquela timidez vestida de mistério, o silêncio de noite que se abrigava nos olhos daquele rapaz... O que ele diria? O que observava? Provavam da mesma escuridão? Ela ficou ansiosa, pensativa e, ainda sonolenta, correu para debaixo do lençol. Nariz, mãos e pés frios, o estômago escorregou para o infinito. “Inspira, expira, inspira, expira”, o exercício que aprendera na infância não funcionava, desejava dizer “bom dia”.

O cachorro acordou esfomeado e se dirigiu, de forma intuitiva, para seu objetivo maior: o resto do jantar, que estava em um ponto mais alto que ele, onde jamais alcançaria, a não ser que... Isso! Subiu na pia da lavanderia e quanto esforço! As unhas rasgando a superfície que se assemelhava a mármore, o barulho era forte e deixou a garota em pânico. “Um ladrão, e agora?”, pensou.

Porém, o instante racional virou um sonho: “Será um príncipe?”. Então, ouviu pedras batendo na janela, também um cavalo e uma voz distante chamando seu nome, esqueceu todos os sonhos, antigos e novos, mexeu os lábios num breve sorriso.

Só se sentiu culpada por ter cortado os cabelos...

6 comentários:

Anônimo disse...

Primeiramente, belo umbigo. Em segundo lugar, belo conto. Você sabe captar o instante com uma qualidade que eu vejo bastante nos autores mestres como Lispector ou Mário de Andrade. Esperava que você adentrasse no sonho da garota (é vc?) e fizesse algo psicodélico, mas fez melhor, centrou-se nas reações físicas da personagem (é vc?) e do seu cão (é o mike?), quebrando o que o leitor (pelo menos,eu) esperava. Bjos, continue escrevendo "direitinho" assim... =)

samuel rodrigues disse...

belo umbigo hein.....
esse texto he seu?
muito bom ....
um pouco melancolico mas bm


alias comenta la no meu vai?

Estêvão dos Anjos disse...

Td isso foi por causa de um cabelo msm?

axei legal esse mistureba de sonho, realidade,pensamentos, receios...
e tbm achei um pouco melancolico...
era um ladrao msm???

Sil Leite disse...

uma mistura de tudo o que se vive.
muitos momentos, em determinados espaços se transformando em palavras, sendo parcialmente assimiladas por quem as lêem.









fantástica!

Kassia Nobre disse...

Uma riqueza de detalhes que impressiona :)
eu, como admiradora da lispector, sou apaixonada pelos detalhes e vc representa isso com muita beleza :)

bju :)

Anônimo disse...

esse povo aqui fala bonito que só... =)

já pessoalmente... XD