domingo, 30 de agosto de 2009

UM POUCO DE SOL PARA MEUS OLHOS

Chão alvo ardendo em sol quente e eu nada enxergava. Era como um perdido beduíno vagando em deserto febril, poros abertos pelo suor, cegueira que me fazia caminhar sem rumo. Às vezes, sigo rotas em linhas quase de fuga, talvez para abraçar o tempo, reconhecer faces que pouco vi e me entregar num gesto de afeto, carinho nutrido em fértil espaço de passado.
Estava em um trecho de tráfego, automóveis alinhados e nenhum semáforo, não sentia medo. Portões fechados, pessoas que corriam, meus olhos doendo de tanto lacrimejar gotas de sal, sede além do necessário. Uma história a ser contada, duas outras a serem ouvidas, vidas alheias que também eram minhas. Era cigana transitando na praia, areia fina que fura as pernas, mas não vestia vermelho. A única peça de ouro era um discreto anel que trazia na mão direita. As unhas faiscavam em um esmalte muito preto e o vento me deixava despenteada.
Aquele caminho parecia longo demais para quem via poucas formas. Deveria andar o mais rápido possível, vencer os carros, alcançar o corrimão, subir, subir e subir aquele pedaço de montanha. "Não consigo ver, mas aquilo lembra uma escada", soprou-me a intuição. Deserto de solo fervente, ganhou luz própria graças ao sol, revelou-me que havia vida em paredes de concreto. Talvez fugisse também da cegueira. Talvez fosse miragem, fruto de vontades inexplicáveis...
Não sei se andei, não sei se nuvens protegeram, enfim, meus olhos. Sei que tudo ficou muito nítido e entendi por que as pessoas se vestem de branco em dias quentes. "Finalmente", disse ele com um sorriso. Falei velhas banalidades de quem leva muito sol na cabeça. Beijei levemente a pele que emanava calor...

Um comentário:

Kassia Nobre disse...

e você vestia preto, paulinha!