quarta-feira, 13 de maio de 2009

MEU PRIMEIRO DIA DE ÓCIO

Era como se fosse o primeiro dia acordada, após o último dia da vida passada. O corpo relaxado entre os lençóis tinha partes dormentes, principalmente as mãos e as pernas. Acordar, por que acordar? Sonho? Não, não lembrava de nenhum... Nos olhos úmidos, a maquiagem em restos do dia anterior e tinha também saudade no suor brotando da pele fria, nos cabelos desgrenhados, na espuma do travesseiro.
(...)
Já era tarde, hora de a cidade ferver com seus veículos e transeuntes, catástrofes individuais, agonias coletivas. E eu ali, imóvel, posição fetal, iludida com as cortinas que diziam: "É noite, fiquei mais". Nada para fazer, nada além de ser humana, manutenção feroz da vida: comer e imaginar, retirar o calor, escrever algumas rasuras, pensar em como teria sido, sentir vontade de modificar cada passo (antes que seja tarde). O movimento involuntário anunciava que havia um coração e este cumpria apenas sua função orgânica. Transportar oxigênio, retirar gás carbônico. Sístole e diástole. Arritmia. Não me lembrava de outros termos técnicos relativos ao órgão... Miocárdio. Aorta.
(...)
Tentei virar para o lado, mas o braço pesado não deixava. Nem sabia onde ele estava. Tateei, até encontrá-lo, débil, sobre minha cabeça. Trouxe-o para perto do peito com cuidado. O cansaço todo se espalhava pelo colchão que afundava, afundava comigo (sonolenta e silenciosa). Os olhos fechados avistavam rostos amigos, manchetes de jornal, palavras abraçadas na tela de um computador, rabiscos indecifráveis feito pela caneta curiosa. O telefone a tocar, insistente e imaginário.
(...)
- Já posso abrir os olhos? Chegou a hora?
Poderia dormir aquele dia inteiro, o outro, o seguinte também e os demais. Quais desconhecidos sentiriam minha falta? A sensação de anonimato, invisibilidade, abandono, desleixo ou qualquer coisa irresponsável me fez impotente, por sorte, o sono tranquilo era reconfortante. Fitei a parede de tijolos aparentes através dos minúsculos furos e desenhos horrorosos do mosquiteiro. Vou ler um livro, escrever um conto, fazer um bolo, estudar para o futuro, preparar um projeto, arrumar minhas coisas, aprender a correr, tocar piano, nadar e andar de bicicleta, tatuar alguma coisa, ganhar novos desconhecidos, vou fugir de dentro de mim! Quero fazer algo...
EU QUERO GRITAR ATÉ PERDER A VOZ!
Saí da cama, caí no chão. Malditas pernas dormentes! Arrastei-me até a janela. O sol erguia seu império, depois de uma tempestade que lambeu a noite inteira. Acordei, enfim! Inteira e ansiosa para o meu infinito...

3 comentários:

Acássia disse...

Ninguém é anônimo para todos. Para mim, por exemplo, e para tantos leitores que já a leram, não és. Então acorda, mulher! Vamos à luta!

Sumaia disse...

ler o que você escreve aqui me faz lembrar da suavidade que há entre os dias enrijecidos da rotina...

Vivas à nova geração de escritoras alagoanas!

grande beijo

Anônimo disse...

Há algum tempo venho lendo os textos e gosto muito deles, apesar de perceber ora uma dose acentuada de angústia, ansiedade ou incerteza; ora uma certa revolta com o jeito de ser do nosso mundo.
Mas fico feliz, pois vejo muita poesia no que você escreve.
Quero ler mais.