quinta-feira, 7 de maio de 2009

ACONTECENDO...

Todas as luzes da cidade estão acesas, todas. Durante os últimos anos, poucas foram as vezes em que ficou no seu quarto, escrevendo, pensando, lendo, na cama - que fica encostada na parede, longe da janela, perto da porta, em frente ao guarda-roupa. Poucas, apesar dos infinitos livros e palavras e pensamentos e músicas e tudo aquilo que se pode fazer quando a mente é a única companhia.

- Mas hoje, a luz está acesa e eu estou aqui, em meu quarto desorganizado como minhas ideias, fazendo o inesperado, talvez o previsível.

Escrevia em uma folha grande demais, sem linhas, só o espaço em branco, pronto para que se despejasse nele qualquer coisa. Não havia brisa nem amor, saudade, suspiros, pedidos, orações, poemas, romances, nem eu, você, sonhos, beijos, lágrimas, paisagens e sorrisos. Não havia sim, fadas, vilões, príncipes e amadas. Havia uma frase, feita com uma letrinha muito torta e que dizia: "A noite se aprofunda, o amanhã tão próximo... céu escuro, as estrelas se perderam nas nuvens...". Frase não tão pequena, não dizia nada. Até porque era possível ver uma parte tão ínfima do céu, através da janela quase fechada, que não dava para afirmar se as estrelas eram ausentes. Supunha apenas pelo tempo abafado, pelos relâmpagos que vira horas antes, realmente estava certa: choveria bastante naquela noite.

(...) Depois silenciou. Selecionar palavras, elaborar parágrafos lhe pareceu tão desinteressante, melhor mudar os rumos e dormir. Dormir é mais ou menos assim: primeiro, acha-se uma posição confortável, os pensamentos vão se dissipando, os músculos parecem se desmanchar, aí, acontece. Mal dá para perceber, não há tempo para pensar: "Nossa, estou começando a dormir!" ou "A partir deste instante, exatamente agora, estou dormindo!". Será que é por isso que as pessoas preferem "morrer dormindo"?

(...) Sem a mínima vontade de morrer, fui dormir. Calor insuportável, não passava com banho, nem com pesados goles de água gelada. Era ansiedade. "Ainda bem que não tenho plantas, teria que regá-las agora", pensei. Afastei o papel e tive preguiça de apagar a luz. Cinco minutos. Num impulso, deixei a folha rabiscada em um canto qualquer e trouxe a escuridão para o quarto.

(Suspiro)

Continuava acordada, a ausência de luz trazendo migalhas de pontos diante dos meus olhos. Ouvi trechos das velhas canções para o tempo passar e ele passou depressa o suficiente para a chuva se instalar do lado de fora. Pensei em abrir a janela, mas fiquei com os pensamentos. Recontei as histórias, lembrei de bobagens, fiz uma prece, cantei em voz baixa, ajeitei o travesseiro e aconteceu. Tentei ver o exato momento, não consegui. Fiquei apenas com os fragmentos de sonhos na manhã seguinte...

3 comentários:

José Feitosa (Zé da Feira) disse...

O abstrato nos seus texto se tornam tão concreto que dá pra ver as imagens se bulir e flutuar, como que levitando na nossa imaginação. É poesia explicita!

Bjos do amigo e fã,

Zé da Feira

José Feitosa (Zé da Feira) disse...

Correção:
onde está escrito texto, leia-se textos.
Obrigado.

Zé da Feira

Kassia Nobre disse...

"Nossa, estou começando a dormir!" ou "A partir deste instante, exatamente agora, estou dormindo!". Será que é por isso que as pessoas preferem "morrer dormindo"?

Pois é, eu acreditava que era assim mesmo, morrer dormindo, mas dizem que a pessoa acorda e passa por uma tremenda agonia antes da hora fatal...e pior, à noite, sem ninguém... :S

adorei sua inspiração na chuva...

bjos

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